sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Vôo eterno dos dragões que em mim habitam

No início foi assim...


Infância:


Imaginar sem trégua.
Observar poeira reluzindo ao brilho tênue da manhã. Brincadeiras vãs, vontade de correr de pés descalços na grama fofa dos jardins do Poder. Existiam lá, à época, cisnes brancos, no lago artificial.
Medo, falta daquele carinho rígido, porém tão necessário. Manhãs no Refúgio, em meio ao cerrado: andar a cavalo, brincar com a terra molhada, subir no pé de sirigüela, catar amora e voar no balanço-de-sonhos. Os olhos indígenas de minha mãe sempre presentes, mas muito poucas vezes felizes.




Quando fui embora:


Dúvidas, mágoas, aflições.
Movimento constante da busca. Pensamentos desordenados, folguedos insanos, tristezas, desalento e saudade da terra-natal: céu-de-cristal de Brasília.
Sertão paulista, bosque encantado, Jardim Paraná. A moto mais linda do mundo, viagens sem número, o mundo a abrir-se... O prédio ao lado da estação - morada solitária, depois do cheiro freqüente do café-Cris.
Tardes chuvosas e frias, amizades de cor tão encanto, permanentes e antes inimagináveis. Fama fulgaz, vontade de ir pra bem longe sem conseguir sair do lugar.
Até que veio a Ilha Mágica, Rio à beira-mar, trilha verde absorta na cachoeira, desembocando em mar bravo... Momentos duros, difíceis da forma e sentido, fuga constante da realidade. Senão...




Depois que voltei:

O retorno ao cerrado foi lindo, difícil e improvável, por isso tão doce! Possibilidade mais clara da retomada da força, da reinvenção do contato com aqueles que são e sempre foram os mais importantes: os laços de sangue que constróem a ponte direta à alma-coração.
Até que partiu, meu pai.
Pareceu um sonho sem volta, a desconstrução mais sentida, a falta de vida no corpo em repouso, seu rosto cansado e meu corpo em pedaços. Consolo premeditado, entoei a canção que gostava de ouvir e lembrar-se do pai - agora era minha, pra não me deixar esquecer dele fora, mas sempre dentro de mim.

Quando Miguel chegou:

Balé de emoções e sentidos diversos, adivinhei quando ele surgiu em meu ventre, de tanto que o desejo de tê-lo nos braços transbordava de meus poros morenos. Pela primeira vez, equilíbrio depois do caos consciente e provocado pela contradição de meu pensar com o de outrem.
Equilíbrio mágico, sonhado e celebrado com todos os amigos, queridos parceiros da caminhada-poesia que um dia eu quis cometer.
A espera foi densa, de uma leveza infinita, apenas incomodada pela vontade louca de vê-lo sorrir, em meus braços sedentos desse amor irreal, amor só de brisa e ondas do mar.

E hoje:

Acordo mais forte, mais viva e ainda com sede do múltiplo encontro com outros como eu: seres-humanos-destino-aprendizes, às vezes dor, às vezes em paz, às mais das vezes também sedentos de tudo de bom que essa vida tem a nos dar.
E amo.
Todas as horas passadas, as lágrimas pulverizadas nas flores da rua, os beijos, abraços e vistas da lua, tão cheia ou crescendo, iluminando as rotas possíveis de ser.






Um comentário:

Tavinho Abuchaim disse...

:-)
Faço minhas as suas palavras!